quarta-feira, março 08, 2006
Roberto Romano
A Primeira Leitura do mês de fevereiro, através de seu editor Reinaldo Azevedo, fez uma entrevista primorosa com o Filosofo Roberto Romano, a qual já citei e discuti com alguns amigos e transcrevo várias partes aqui.
As falas e a introdução de Reinaldo Azevedo seguem em negrito e as falas de Roberto Romano em itálico
“esse passado faz com que Romano preze ainda mais a democracia. Ele conhece, pessoalmente, a diferença entre ética e moral. No seu caso, foi a diferença entre a vida e a morte: “Eu estava preso no quartel da PM em São Paulo e fui salvo, literalmente salvo, pelo então coronel Confúcio Danton de Paula, que depois virou general. Eu estava separado dos meus companheiros. Eles estavam no batalhão Tobias de Aguiar. A polícia queria me levar, você já sabe por quê. Ele garantiu a minha permanência ali naquela hora e depois me transferiu”. Lendo a entrevista você saberá, leitor, por que, segundo a ética, que é coletiva, o militar poderia ter deixado que o levassem. Mas foi a moral, que é individual, que impediu o homem de fazê-lo.”
“A ética, a partir do momento que foi assumida por Hegel e pela escola hegeliana, transformou-se num caminho direto para o coletivo. A ética é essencialmente coletiva, é o conjunto de costumes da população. Seu endeusamento se deu em detrimento da moral, tanto que o grande refrão do realismo dialético, que tem as vertentes idealista e marxista supervalorizou o elemento social em detrimento do individual. Esse foi um grande problema do marxismo.
O que? O desprezo a moral?
Sim, no fim do marxismo oficial, o grande debate que se estabeleceu entre os teóricos marxistas foi justamente o lugar da individualidade – que não existia, por que ela foi esvaziada. Então quando se valoriza exclusivamente o ético caminha-se rápida e seguramente para o autoritarismo. É preciso sempre contrabalançar a ética com o elemento individual, com a responsabilidade individual, com a consciência individual....
Que concerne à moral.
Exatamente (...)”
“Oq seria viver numa sociedade cem por cento ética neste sentido em que estamos falando? O sr. Gostaria de viver nela?
Não. Desde aqueles tempos do fim do governo Sarney eu chamo atenção : ‘olhem, tomem cuidado porque eu não gostaria de ter uma sociedade eticamente correta, perfeita, segundo os padrões de um grupo ou um setor’, Por isso sempre fiz um apelo à moral. Um exemplo que eu costumava dar, para escândalo de muita gente, era o seguinte: as multidões que marchavam em Moscou ou na Alemanha nazista eram éticas. Elas estavam cumprindo exatamente aquilo que a tradição dizia, os valores diziam, os costumes diziam.”
“Ademais, os que se diziam eticamente corretos foram flagrados, não é?
Ficou muito claro que essa ética não é estranha à corrupção. É um movimento autoritário dentro do partido. Tanto que aqueles membros honestos, corretos, dentro do Pt saem correndo para defender os membros não corretos.
Uma ética que só pode existir num ambiente de amoralidade.
Exatamente.”
“E o indivíduo não existe mais. O Lefort analisa os processos de Moscou, onde o indivíduo era obrigado a dizer que era culpado sabendo-se inocente porque o promotor do povo dizia: “Você não vai contra o partido não é verdade? Você gosta do partido, você não vai contra ele” Essa é a lógica que está presente na consciência de todo militante. Ele prefere se destruir, prefere quebrar toda a sua consciência para satisfazer o “nós” que está presente nele. Não há dúvida que a questão moral está na base dos problemas do pensamento marxista.
Só dele?
Olhe, há um debate nas hostes hegeliano-católicas a partir da interpretação do padre Vaz, que eu acho profundamente equivocada . Ele afirma – e é um grande leitor de Hegel, não duvido – que não há diferença entre ética e moral, dado que ambas tem a mesma raiz cultural, nos costumes etc. O ministro Patrus Ananias assume essa tese absolutamente. Eu acho isso um desastre. Se não existe a consciência do indivíduo capaz de se erguer contra uma multidão de militantes, não há possibilidade de modificação social nenhuma.”
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