domingo, junho 04, 2006

Navalha Na Carne

Domingo passado assisti a uma peça bem bacana na Escola de Belas Artes da UFBA, construída sob um texto que data da década de 60, "Navalha Na Carne", do escritor Plínio Marcos, e encenada por estudantes de teatro da UFBA.
A idéia se perfaz sob a relação de três indivíduos em condição degradável de pobreza: uma prostituta, seu cafetão e amante e um homossexual. No quarto de pensão onde a estória acontece, os três travam diálogos fortes, regados de sarcasmo, agressividade e despudor, suscitando brigas e insultos gratuitos que parecem por à flor da pele de quem assiste toda a indignação de suas almas, afundadas no desgosto de uma vida miserável é difícil.
Mas a grande qualidade da peça terminou sendo a interpretação do elenco. Como foi fato a falta de recursos para investir em cenário e outros elementos da peça, a produção se valeu desta mesma condição para improvisar com eficiência no cenário, e principalmente depositar nos atores - nos seus próprios corpos em especial - a vivacidade da representação. A performance dos atores em cena é permeada pela mesma agressividade viva e intensa do conteúdo: os atores não economizam nos puxões, nos empurrões, nos tapas e atitudes que caracterizam a revolta de seus personagens; o corpo é aqui, a parte mais importante do cenário. Tudo isso na metade de uma sala de aula adaptada, onde o público se coloca sentado muito proximamente (praticamente dentro) ao “palco”. A estória não perde portanto (ainda que pese a dificuldade encontrada na produção), a capacidade de exprimir a densidade e a explosão daquela relação de personagens tão naturalmente carregados pelo quadro miserável e árduo de suas experiências.
Este tipo de iniciativa já se transformou como bem sabemos, em estética cinematográfica, no realismo italiano, com Roberto Rosselini, e no nosso conhecido cinema novo brasileiro, liderado pelo saudoso e polêmico Glauber Rocha, sob influência do próprio realismo. Transformar a ausência de recursos de uma forma de expressão artística (o cinema) - que depende de financiamento mais do que qualquer outra - em motivo para recriá-la de forma incrivelmente criativa, corresponde à essência da coragem destes cineastas.
A produção e o elenco de Navalha Na Carne, embora não tenham desenvolvido um tipo de estética teatral baiana – nem é talvez essa a sua intenção -, foram eficientes na adaptação do texto com a realidade do teatro de que dispõem. Palmas à coragem e à paixão viva deste teatro.

Por Rodrigo Lessa

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