Texto escrito pelo Reinaldo Azevedo,e que vai no centro dessa discussão sobre a guerra de Israel.
A expressão da hora é “reação desproporcional”. É uma pena que eu não seja um desses pós-estruturalistas franceses para esgotar os 4 mil toques a que tenho direito só analisando as dimensões simbólica, histórica e psicológica de tal expressão. Vejam só: o substantivo e adjetivo primitivos do par acima é “ação proporcional”. Quando se fala “re-ação”, supõe-se a existência de dois tempos: um “antes”, em que alguém “age”, e um “depois”, quando vem a resposta. Quem acusa uma “re-ação” nem mesmo aspira à inocência. Sabe, então, que houve uma provocação e que o “outro” vai ocupar o tempo que lhe cabe na narrativa como protagonista ou antagonista — depende do ponto de vista.
Assim, quem conta com a “re-ação” chama o adversário ou inimigo para uma relação transitiva, para uma dança, para um pas de deux. Este que age, no entanto, espera daquele que “re-age” a observância das regras da “proporção”, como se estivessem apreciando um quadro, uma catedral ou lendo a Eneida, de Virgílio: as partes do todo devem provocar um sentimento estético de equilíbrio, de harmonia. “Re-agir” de forma “des-proporcional” corresponderia a fraudar as regras do jogo.
Essa digressão para o universo da linguagem me ajuda a denunciar uma fraude intelectual. Reparem que o pequeno detalhamento da expressão “reação desproporcional” revela uma dimensão amoral, sem história e sem escolhas. Qualquer disputa se encaixa naquela oposição estrutural. O bombardeio de Dresden, feito pelos Aliados, não se distingue do ataque a Pearl Harbor, uma vez que nós excluímos a moral da história, uma vez que ela se faz sem valores. Ou, pior ainda: sob certo ponto de vista, Dresden seria o símbolo da “reação desproporcional” dos que se opunham ao nazismo.
Louvado seja Deus que não sou estruturalista francês e indago, a cada ato, meu ou de terceiros, a que princípio moral atende e a que ética coletiva serve. Lamento profundamente as mortes de libaneses e israelenses na guerra que Israel trava contra o Hezbollah. Mas aponto a indecência da acusação de que há uma “reação desproporcional”. E o estruturalismo que não me convence me fornece, pelo avesso, as ferramentas para explicitar meu ponto de vista. Não se trata de duas forças igualmente legitimadas pela história.
Uma tem por princípio eliminar civis e praticar atentados terroristas para fazer valer o seu ponto de vista; impõe-se como força militar aos civis de seu próprio povo, que não têm outra saída a não ser aceitá-la — ou morrer; a outra está submetida aos controles da democracia e do Estado de Direito. Uma luta para que o adversário desapareça; afinal, nega-lhe o essencial: o direito de existir; a outra vai para o confronto porque se nega, vejam só!, a se comportar como um carneiro na hora fatal: gritar e morrer.
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