domingo, março 20, 2005

A Onda Agora é A “Abolição”!

Se a abolição da escravidão pariu o desemprego, a abolição da fome vai parir o quê?

(Deja-vi. À segunda feira do dia 14 de março deste ano, um grito ecoou de uma das tribunas da ONU aos ouvidos desatentos dos brasileiros. Disse alguém: “vamos ‘abolir’ a fome, da mesma forma que fizemos com a escravidão!”. Desatento ou não, (brasileiro) eu acho mesmo é que a fome não deva ser “abolida”, no sentido denotado pelo autor do ilustrado comentário. Afinal, abolimos a escravidão e parimos o desemprego: creio que com a fome a hipocrisia irá se repetir. Mas vamos aos fatos...).

Pois bem. Foi em meio ao Fórum Social Mundial, realizado em Davos recentemente. Precisamente na edição do dia 14 de março foi publicada na “Folha” a entrevista de um conhecido sociólogo chamado José Bengala (membro da subcomissão para Promoção e Proteção dos Direitos Humanos e presidente do grupo de estudo de extrema pobreza e direitos humanos, ambos ligados à ONU) trazendo a sua retórica sobre o problema da fome, debatida na explanação que protagonizou no evento.

Segundo ele o eminente problema se resolveria com uma “abolição da fome” no mundo, deslegitimando a sua existência através de um conjunto de normas de caráter internacional que obrigassem os governos de diversos países (em sua maioria subdesenvolvidos) a combatê-la com mais dedicação.

Acontece que esta “ascensão de um sistema jurídico internacional” , como ele mesmo coloca, apontando ainda a globalização dos direitos humanos como um caminho saudável a ser traçado, relembra na alma deste humilde brasileiro a desconfiança de que, sob este pensamento, a fome vai permear a mesma “evolução” hipócrita alcançada com o fim da escravidão. Nesta oportunidade, fingimos que resolvemos o problema enquanto os senhores da miséria e da exploração riam com a conservação de sua agradável dominação exploradora sobre os novos alforriados: os trabalhadores.

Em verdade, a suposta solução dada pelo sociólogo só muda um pouco o foco da frente de luta contra a fome, sem tirar o poder de mudança das mãos de quem já não se mostra interessado em soluciona-la...

Para perceber este detalhe basta se perguntar em poder de quem se encontra a criação de normas jurídicas e os instrumentos para pô-las em funcionamento. De uma elite obviamente. Ela desenvolve ou viola normas conforme o seu interesse, pois detém poder sobre o mecanismo normativo, tratando seus preceitos e princípios a luz de seu livre arbítrio. Ao seu bel prazer a “burguesia, então, reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; fazer funcionar todo um imenso setor da circulação econômica por um jogo que se desenrola nas margens da legislação – margens previstas por seus silêncios , ou liberadas por uma tolerância de fato”, como dispunha Michel Foucault em “Vigiar e Punir”.

A elite não passa fome. E por mais que se sensibilize com a causa dos miseráveis, irá tolerar qualquer ilegalidade se, baseada em seu próprio interesse, não visionar retorno ou ganho em punir. Fortalecer uma campanha em seu meio para cantar novas normas de combate à fome pode até resultar num incremento de novos artigos e regimentos ao rol do sistema jurídico internacional, mas não haverá um esforço deste mecanismo em vias de combate à fome caso não se funde num interesse comum ao da burguesia citada por Foucault.

Ora, poderia restar ainda uma ação dos humanistas convictos, crentes mesmo na sensibilidade humana dessa elite para mover esforços a uma causa tão nobre. Uma grande idéia, se a mesma não detivesse interesses em conflito com o combate a fome.

Prova disso é que do lado de cá da América tem muita gente insatisfeita com a ONU: principalmente no que diz respeito ao FMI e ao Banco Mundial. As sugestões de caráter altamente impositivo destes órgãos sob governos sul-americanos tem obrigado os mesmos a apertar seus tímidos orçamentos dedicados a necessidades básicas – como o combate à fome – , para cobrir juros de dívidas históricas. Dívidas estas que tem como credores países que gastam rios de dinheiro com guerras a supostos “vilões” internacionais.

Mas se os direitos humanos já não são lá tão respeitados assim, buscar “globalizá-los”, com é a intenção de José Bengala, só diminuirá o seu alcance prático. Isso porque a globalização jamais foi algo além de um emaranhado de agentes internacionais debruçados sob um interesse incondicional por negócios de alto poder lucrativo ao redor do mundo, sendo os impactos provenientes de investimento e retirada de capital, questões pouco importantes – dinâmica nas comunicações e tecnologia a serviço da humanidade é só propaganda. Se fábricas fecham e milhares de trabalhadores são postos à rua para passar fome, realmente não importa aos verdadeiros beneficiários da globalização: se o lucro não compensa, lá o seu capital precioso não poderá continuar; (“deverá haver outro lugar onde a mão de obra é mais barata...”).

O posicionamento do sociólogo em tão importante fórum mundial para debates sobre temas relacionados à fome, embora pretendente a ser bem fundamentado e produtivo, denota um contexto que, cá no Brasil, nós conhecemos muito bem. “Abolir” fome – em menção à suposta vitória à supressão da escravidão – não compreende uma proposta responsável, efetiva. E mesmo que historicamente alcançássemos um momento que a propiciasse, repetindo o contexto do fim séc IX, um movimento de deslegitimarão jurídica da miséria – tal como foi deslegitimada a escravidão – com certeza o projeto mais completo e abrangente não passaria de um paliativo. E “abolir” a fome não vai passar de mais uma medida hipócrita.

Com todo respeito aos letrados da ONU: cá nós sabemos de verdade o que significa (ou não significa) uma abolição. E fim de papo.

Rodrigo Lessa

domingo, março 06, 2005

As elites (e a direita) são malvadas

É incrível, como o governo Lula que faz um governo muito parecido com seu antecessor (considerado neoliberal) pode ser considerado de esquerda pela ampla maioria da população.

José Genoino afirmou em artigo recente que o PT (e o governo, até porque eles se confundem) era um partido de esquerda pois estava ligado aos movimentos sociais. Devo dizer que concordo com ele, a maioria dos movimentos sociais são de esquerda e o partido que tem o seu apoio deve assim ser caracterizado.

Pois bem, ninguém se surpreenderia se o ministro da saúde do governo FHC criasse as farmácias populares para vender medicamentos que antes eram dados de graça, ou se seu ministro da educação fizesse uma reforma universitária que investisse dinheiro nas universidades privadas ao invés das públicas. Porque seriam políticas neoliberais próprias de um governo neoliberal como era considerado o de FHC.

Já as políticas públicas do governo Lula que são realmente novas, conseguem ser mais desastrosa que as da agenda antiga. O caso do antes famoso Fome Zero e do bolsa-escola que se transformaram no bolsa-família, é um exemplo. Criou-se um mega plano de acabar com a fome divulgado internacionalmente, que simplesmente não funcionou (espero que, o ex-fome zero e hoje bolsa-família, dessa vez vá pra frente) e se destruiu um programa que precisava ser ampliado, o Bolsa Escola.

A inoperância desta nova agenda é tanta que chegamos a um ponto em que: “o que funciona não é novo, e o que é novo não funciona.”

Sem uma agenda de esquerda, utilizando na verdade a agenda do seu antecessor (dito neoliberal) na maioria dos casos o governo segue combinando; a cooptação dos movimentos sociais com um discurso esquerdista que hostiliza a direita, seja nas suas intenções, seja na sua competência, seja em ambas as coisas.

Mas por que os ministros mais importantes (educação, saúde, trabalho, fazenda) e grande parte dos menos importantes são esquerdistas (definição de José Genoino) já que eles implementam uma agenda neoliberal? Que diferença faria chamar o Delfin Neto pra fazenda ou deixar o Armínio Fraga no BC, ou chamar o Zé Serra pra saúde.... que diferença faria meus amigos?

Bem, na pratica não faria nenhuma, contudo é impossível explicar que o governo Lula é de esquerda tendo estas figuras no ministério. Daí as resistências ao nome de Roseana Sarney e de outras pessoas já folclorizadas como de direita.

Apesar de não mais ser de esquerda na pratica (ao aplicar uma agenda neoliberal) o governo ainda é de esquerda nas aparências. Ministro da reforma agrária é um legitimo representante da esquerda petista e assim deve ser para tentar explicar ao MST como seu governo assentou menos gente que o governo FHC no mesmo período. Assim como a ministra do meio ambiente não pode ser culpada pelo aumento do desmatamento.

Qualquer ambientalista já teria rompido com este governo se o ministro do meio ambiente fosse um Sarney. Assim como o MST já teria rompido com o governo, se um dos seus não fosse o ministro da reforma agrária.

Mas só aparência só não basta tem que discursar, fazer bravatas como disse o Lula. Tem que falar mal do agronegócio, dos latifundiários, das multinacionais, das pessoas ricas, das elites e da direita de modo geral.

Se FHC voltar nenhum grande projeto será paralisado, mas o país voltará a ser comandado pela elite maldosa ao invés dos bondosos trabalhadores. No populismo o governador chantageia as elites com o povo, no Lulismo o povo é chantageado pelo domador das elites.

A eleição do Severino Cavalcante para a presidência da câmara, se explica pelo desprezo pelo qual os petistas tratam os não-petistas. Os tratam como cidadãos de segunda classe, que só pensam nos seus interesses e estão sempre dispostos a fazer maldades.

A política de tratar aliados como agregados, e agregados como quase-inimigos acompanha o PT (e a esquerda) durante toda a sua historia e é a principal responsável pelas suas derrotas e pela sua rejeição.


Falar mal da direita e das elites é condição básica e necessária para este governo ainda ser considerado de esquerda. Afinal, se as elites não fossem maldosas o que teria Lula para oferecer?


Por: André Greve Pereira

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