sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Sobre Vinícius

Dialética


É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...

Montevidéu, 1960

(Vinícius de Moraes)

A poesia de Vinícius de Moraes me chegou através de sua música. Em busca de Maria Bethânia encontrei na casa do nosso querido Feijão (André) um cd que, hoje, posso dizer que mudou minha vida. Me introduziu à poesia. No Cd em que Bethânia canta músicas de Vinícius ela também recita alguns poemas seus bem bonitos, e que me levaram a ler o “Obras Completas” do Vinícius – também conseguido com Feijão -, que contém quase tudo em termos do que ele realizou em termos de escrita poética durante sua vida.

Vou tentar expor aqui o que compreendi com as leituras de veraneio.

Bem, a poesia de Vinícius se interliga em uníssono com os princípios de sua própria vida. Podemos dizer sem medo que ele escreveu as marcações de seu coração em versos; deu à escrita o privilégio de testemunhar as suas dores de amor, a vida que partiu de tanto sofrer e penar por amor.
E sua proximidade com o sofrer é algo central na obra. O poeta acredita que na vida é preciso sofrer para presenciar os maiores prazeres que ela pode proporcionar. E o sofrer neste ponto não é apenas um oposto à felicidade, seja ela momentânea ou eterna: a felicidade tem algo de sofrimento. Tome-se aí a “Dialética”, poema que transcrevi no início do texto, ou mesmo em “Como Dizia o Poeta”, transcrito por Feijão em um dos posts do blog. Acredito que esta característica de sua poesia seja resultado mesmo de sua proximidade com as raízes brasileiras. Nenhum povo é mais conhecido por tirar alegria e vida da tristeza do que o nosso.
Vejamos um belíssimo soneto que também expressa bem este espírito.


O verbo no infinito


Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...

Rio de Janeiro, 1960

Toda esta áurea poética dialoga também de uma forma bastante interessante com a sua vida pessoal.
Nos seus nove casamentos e amores afins, Vinícius sempre disse buscar a felicidade. Para ele a felicidade estava no amor, e só se podia ser feliz amando alguém. Só que ele mesmo se dizia uma pessoa triste. Isso porque a felicidade era para ele muito mais uma busca do que um lugar em que chegar. Ser feliz talvez fosse para ele buscar a felicidade sem nunca ter a pretensão de encontra-la definitivamente, pois na vida há também as dores de amor e o sofrimento que fazem parte de sua essência e correspondem a um momento belíssimo e de grande valia para o próprio viver.

Este talvez seja apenas um resultado de toda a sua vivência poética, que na verdade é bastante rica e foge a minha capacidade de síntese ou mesmo compreensão. Até porque, se já é difícil falar sobre um poeta, e grande como ele, com pouco conhecimento então...
Mas fica o registro. Quem nunca leu poesia (como eu) e quiser começar com o Vinícius, terá começado muito bem. Quem não quiser começar ainda pode curtir a música dele, que passa muito em todo este universo simbólico-poético sem tirar nem por.

Rodrigo Lessa

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Boxel, bom te ver por aqui, eu fico consternado como o Vinicius passou a vida toda dele escrevendo e vc pega as férias e lê suas 'obras completas', pô man, assim não dá não.