(Segue a primeira parte do trabalho que fiz sobre uma citação isolada do livro Sobre O Humanismo, de Martin Heidegger. O trecho já está postado neste blog sob o título de "Interpretações Em Sociologia". A bibliografia virá no final).
Interpretação Sobre Trecho do Livro Sobre O Humanismo, de Martin Heidegger
Por Rodrigo Lessa
Introdução. Uma estratégia. E que bela estratégia. A reação de Heráclito frente ao grupo de visitantes em afirmar verbalmente a presença dos deuses, é de fato uma forma de garantir um contato que terminou por ser comprometido pela descrença dos forasteiros quanto ao resultado de uma possível experiência com o filósofo. Mas é justamente na sua primeira ação frente à reação dos visitantes que residirá a primeira lição desta rica experiência. Veremos o porque disso e principalmente o provável motivo da primeira reação dos forasteiros, neste texto, através de uma doutrina sociológica que desenvolve uma compreensão bastante precisa das ações humanas quando em interação com outros indivíduos: o Interacionismo Simbólico.
I. Esta corrente teórica em sociologia apresenta na realidade uma raiz que nos remete às experiências metodológicas relacionadas à Escola de Chicago, entre 1915 e 1940 nos Estados Unidos, onde e quando, na filosofia, o pragmatismo propunha um novo ângulo sobre a compreensão das ações sociais. Era fundamental ao pragmatismo que a conduta humana fosse estudada não como um ato determinado fora do contexto da ação em que é exercido, como uma determinação de um fim apenas por via da consciência per se do sujeito, onde por fim os significados corresponderiam a meros laços entre fatos sociais e fins práticos. Mas, por outro lado, como um resultado de diversas ponderações sobre as resistências que uma conduta encontra invariavelmente na relação com outros indivíduos (Joas, 1999). Seria menos interessante observar “estruturas dominantes” de constrangimento e determinação da ação anteriores ao contexto da ação do que buscar, no desenrolar deste contexto, os elementos contidos nas relações que poderiam ser definitivos na tomada de decisão por parte do agente. Logo, a minuciosa descrição do relato de Aristóteles através de Heidegger nos fornece prato cheio para uma análise sob este ângulo.
Não obstante, a grande inovação do interacionismo simbólico será uma importância suplementar concedida ao significado que os indivíduos atribuem aos objetos, tal como a sua fonte, em cada caso particular. A natureza do interacionismo simbólico se fundará assim em três premissas básicas: a) os seres humanos agem relativamente às coisas através dos significados que tais coisas provocam neles, b) estes significados derivam de relações sociais anteriores com outros companheiros e por fim c) são manejados e modificados através de um processo interpretativo utilizado pelas pessoas ao lidar com as coisas com que se defrontam na vida cotidiana (Blumer, 1969).
Padrões ou valores morais de largo alcance na definição das ações humanas só existirão assim, na dinâmica da re-significação constante dos objetos do mundo. O que remete os agentes a uma eterna re-interpretação ou re-adaptação das vivências anteriores destas informações, e portanto dos significados atribuídos à infinidade destes objetos (ou coisas) envolvidos na ação. E é justamente a variedade de significados e as suas fontes sociais que buscaremos em nosso caso prático. Pois, de modo algum, eles são estáticos.
Como as tais vivências são também fruto de interpretações de interpretações, o resultado da observação por parte do indivíduo destas experiências anteriores, advindas da comunicação que ele desenvolve com outros indivíduos, é uma maleabilidade até então mal observada das supostas “estruturas dominantes”, que na realidade passam a costumes mais ou menos arraigados socialmente. Preceitos mais ou menos reafirmados em meio à dinâmica das relações sociais.
Todo este conhecimento e rol de critérios fornecidos pelo interacionismo simbólico nos permitirão não só indagar algo sobre a bagagem experimental dos forasteiros - buscando ali o modo como valores adquiridos serão definidos no contexto do contato com Heráclito - como também uma justificação para as demais reações suscitadas pelo estranhamento primeiro da relação, como é o caso da própria menção aos deuses realizada pelo filósofo (a estratégia, como frisei no início). Nos remeteremos a uma investigação da forma com que as experiências de cada agente – tome-se aí Heráclito e “forasteiros”, generalizando os últimos – demonstram-se existindo no contexto da ação, ou melhor dizendo, da relação social, admitindo a sua re-significação e portanto a sua maleabilidade frente às reações recíprocas. Afinal, este exemplo traz uma situação eminente, numa relação parcialmente comprometida entre indivíduos de um universo cultural aparentemente próximo.
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