domingo, maio 28, 2006

Sobre o Xadrez Energético

Um pouco acerca da questão asiática e os reais motivos da pretendida investida contra o Irã...

(...)OCS poderia se converter num obstáculo formidável aos sonhos imperiais dos “falcões-gasolina”. Os ministros de energia do Irã, Paquistão e Índia se reunirão novamente para examinar a proposta de construir um gasoduto que uma as três nações e abasteça com gás natural iraniano às duas últimas(...)


Sobre o Xadrez Energético

Por Juan Gelman

Zbigniew Brzezinski soube formular há anos: Ásia central é chave para dominar o mundo pelas suas reservas de petróleo e gás natural. Em seu livro The Grand Chessboard-American Primacy and it’s Strategic Imperatives (Basic Books, Nueva York, 1997), quem foi assessor de Carter, Reagan e Bush pai aponta que na Eurasia (Russia, Meio Oriente, Índia e China) se concentram três quartos dos recursos energéticos mundiais conhecidos e tira conclusões: para dominar o mundo inteiro, EUA deve controlar essa extensa região. Por outro lado têm a invasão do Iraque e Afeganistão, a projetada do Irã e a promoção de “mudanças democráticas” na Ucrânia e outros ex-membros da dissolvida União Soviética que, por acaso, também possuem importantes reservas de ouro negro. A realização do projeto está se tornando difícil para a Casa Branca e o vice Dick Cheney visitou o Kazajstão no início de maio com o objetivo de impor. No dia anterior havia criticado Moscou por seu uso do petróleo e gás natural como ferramentas de intimidação e chantagem (The New York Times, 6/5/06).

O presidente Kazako, Nursultan Nazarbayev, governa seu país com mão de ferro há doze anos. Em dezembro de 2005 ganhou seu terceiro mandato de seis anos com 91% dos votos, uma votação que lembra as da época soviética. Mas Kazajstán produz 1.200.000 barris de crú por dia e se estima que chegará a três milhões em 2015 quando a demanda mundial terá crescido 50% em comparação com 1993. Dessa forma, Cheney, o grande defensor da “liberdade” em todo o mundo, esqueceu suas veleidades democráticas para expressar “admiração” pelo ditador com a esperança de que fosse aceita a construção por empresas yankees imediatamente de um oleoduto que atravesse Azeibarján e desemboque na Turquia evitando passar pela Rússia. Foi um fracasso: o ministro de energia kazako não demorou em garantir a Moscou o transporte de petróleo russo a China pelo duto Atasu-Alashankou recentemente inaugurado.

Em junho de 2001 nasceu a Organização de Cooperação de Shanghai (OCS) formada pela Rússia, China e quatro ex republicas soviéticas da Ásia Central: Kazajstão, Tadjikistão, Uzbekistão e Kirguisistão. No mês que vem o Irã, até agora só observador, será convidado a fazer parte da OCS como membro pleno e Li oTan, embaixador da China no Teherán, anunciou no último mês de abril a imediata adesão ao acordo de considerável dimensão: estima-se que seu valor será pelo menos 100 bilhões de dólares. Inclui a exploração conjunta da rica jazida marinha iraniana de Yadavarán e a compra de 250 milhões de toneladas de gás natural líquido em 25 anos pela China (www.globalre search.ca, 7/5/06). Não é a toa que Pekín se opõe às sanções contra o Irã que os EUA quer impor ao Conselho de Segurança da ONU.

No encontro da OCS que vai ocorrer no próximo 15 de junho será traçada uma estratégia comum entre esses países asiáticos, que inclui projetos conjuntos de oleodutos e prospecção de reservas petrolíferas, além de convidar a Mongólia, Paquistão e Índia para participar do organismo. A OCS poderia se converter num obstáculo formidável aos sonhos imperiais dos “falcões-gasolina”. Os ministros de energia do Irã, Paquistão e Índia se reunirão novamente para examinar a proposta de construir um gasoduto que uma as três nações e abasteça com gás natural iraniano às duas últimas. A Casa Branca, que sempre considerou Nova Deli o contra-peso de Pequim na região, pressiona duramente para impedir que esse projeto se concretize. A dor de cabeça maior para os projetistas da geopolítica norte-americana é, de fato, a China.

Em 18 de abril, o presidente Hu Jintao iniciou uma visita de quatro dias aos EUA e teve que suportar um par de insultos deliberados da Casa Branca. O mais grave aconteceu no encontro com Bush: ressoou o hino chinês, mas o de Taiwan, não o da República Popular. Hu ficou indiferente: terminada sua estadia em Washington ele foi à Arábia Saudita, que a Casa Branca considera uma pedra fundamental de sua política energética, onde assinou um acordo de cinco bilhões e 200 milhões de dólares destinados à construção de uma refinaria de petróleo e uma petroquímica no nordeste da China. Em seguido visitou a Nigéria, Kenia e Marrocos, países que estão dentro da esfera de influência estadounidense. Há dois meses o chefe do pentágono, Donald Rumsfeld, esteve em Rabat para vender armamento. Hu ofereceu a prospecção das reservas marroquinas de petróleo e gás natural.


Brzezinski destaca em seu livro que um dos imperativos de uma geoestratégia imperial consiste em impedir que os bárbaros se unam. Parece que eles estão se unindo e talvez aconteça antes do previsto uma profecia do que hoje é um neoconservador, realista: a longo prazo, as políticas globais serão cada vez mais incompatíveis com a concentração de poder hegemônico em um único estado. EUA não só é a primeira e única superpotência verdadeiramente mundial que já existiu, como também provavelmente será a última. Amém.
Fonte: http://www.pagina12.com.ar

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